quinta-feira, 18 de março de 2010

Verdelinho - O último voo do poeta cantador


Cadê o Verdelinho? Voou. Voou porque ...


Porque no céu a gente ver uma estrelinha


Aquela estrela começa a mudar


Aquela estrela começa a passear


Tem uma mais acesa, outra mais apagadinha


Tem uma maior, tem outra mais miudinha


E às seis horas da manhã ela começa a se esconder


Só às seis horas da noite, é que torna aparecer


Só é quando ela brilha em cima no firmamento é porquê



Deus corrige o mundo pelo seu dominamento


Como a Terra gira com o seu grande poder


Esse é um trecho de uma obra-prima de Verdelinho “O Grande Poder”, música gravada por Comadre Florzinha e Wado, além do próprio Verdelinho que realizou seu sonho de gravar e lançar um cd próprio em 2006.


O mestre era um verdadeiro poeta... um gênio.


Particularmente foi uma alegria para mim ter podido realizar esse sonho. O CD UNIRversando teve a direção musical do meu amigo e cumpadre, Jurandir Bozo, fã, amigo e parceiro de nosso mestre. Neste CD, Verdelinho também gravou tocando viola, outro grande sonho, e meses depois ganhou o Prêmio Mestre Duda – Prêmio Culturas Populares, do Ministério da Cultura, que além do reconhecimento, deu ao mestre a quantia de R$ 10 mil reais que o ajudou a fazer mais cópias do CD e possibilitou a pagar taxas e regularizar a compra de sua casa, adquirida com o dinheiro de cachês do Grupo À Parte, que participou do projeto Sonora Brasil do Sesc, que tinha como outros componentes, a também saudosa Mestra Vitória, e as musicistas Telma César e Catarina Labouré.

Entre Verdelinho e Mestra Hilda

Verdelinho foi o mestre com quem mais convivi. O conheci em 2000 quando preparava a primeira edição do Guia Ensaio... foi a primeira capa do Guia. O que mais me marcou em Verdelinho foi o bom humor e a disposição de ensinar o que sabia. Verdelinho influenciou vários músicos, e um deles foi Jurandir Bozo, com quem manteve uma amizade grande e uma parceria nos palcos, que pude acompanhar e incentivar. Produzimos juntos o primeiro volume da Série Música Popular Alagoana, quando conseguimos pôr no mesmo CD: Tororó do Rojão, Nelson da Rabeca, Bozo e Verdelinho. Produzimos também o show “Verdelinho e Amigos”, no Teatro Deodoro, com Bozo, Verdelinho e Otávio Galindo, da banda Dr. Charada, além do filho do Mestre, Josenildo. Foi um show inesquecível, no Teatro Deodoro, em 2004 ou 2005.


Em 2006 convidei Bozo para fazer a direção musical do CD do mestre, a ser gravado em outubro, ao mesmo tempo que iniciamos a gravação do vídeo-documentário sobre Verdelinho. Gravamos por três dias. O último dia de gravação foi 01 de novembro de 2006, no dia seguinte, o mestre teve o primeiro AVC, mas só precisou ficar interno por um dia. Tudo indicava uma recuperação, mas o vício pelo cigarro não permitiu. 23 dias depois, 25 de novembro, lançamos o CD, na antiga Oficina Sebrae, em Jaraguá, com as bandas Dona Maria, Poeira Nordestina e Chau do Pife. Verdelinho fez questão de estar presente e até dançou com as meninas, quando Bozo, Josenildo e Geninho (o filho mais novo) cantaram suas músicas. O danado do mestre subiu ao palco e cantou junto... claro que as lágrimas jorraram de emoção...


Tudo filmado, para continuar à espera de uma melhora que não veio.


Verdelinho era sensacional... coração de ouro. Como era o mais jovem, o caçula, de nossos grandes mestres, ele mantinha um contato mais aproximado da juventude... e tinha um grande bom humor. Quando a gente chegava por trás do mestre... ele saltava e dizia: “Atrás eu não quero nem o santo!!!!!!”. Outra tirada dele que me marcou mais foi uma que ele dizia quando lhe pediam para fazer um improviso no pandeiro. Ele dizia: Pode deixar. “Aqui, é igual a cachorro quente: é na hora!!!!”


Verdelinho saiu de casa aos 10 anos de idade e voltou com mais de 20. Viveu esse tempo ganhando a vida por meio da cantoria. Ele contava que às vezes ficava até tarde cantando, tocando e paquerando... e perdia o horário do ônibus: “Uma vez num interior desses, lá pelas bandas da Bahia, resolvi me ajeitar para dormir dentro de um cercadinho que tinha perto da estrada... tava tudo escuro... não via nem o meu nariz... só quando passava um caminhão ou carro que as luzes dos faróis iluminavam alguma coisa. Resolvi urinar antes de dormir, pois só ia ter ônibus ao amanhecer, quando começei a despejar o xixi... sentir o respingo no chão.. em algo duro.. quando passou um carro e iluminou rapidamente aquele canto, foi que eu vi que era um crânio humano e que estava num cemitério... saí correndo que não sou besta... gosto disso não”.


Verdelinho... um passarinho símbolo de uma cultura ... cultura de uma embolada, de um coco, de um repente de viola, de um mestre de Guerreiro, de um personagem chamado Mateu... que por tantos anos Mário Francisco de Assis, o Verdelinho, representou ao viajar com o saudoso mestre Ranílson França.


Verdelinho é um pássaro, pequenininho, bem xoxinho... pseudônimo dado à Mário, mas que ao abrir suas asas protegeu, representou e defendeu a cultura alagoana.


Obrigado Verdelinho!!


A gente se encontra depois. Como eu brincava com você: “Vá na frente que a gente vai atrás !!!!”






Abaixo, a letra completa de O Grande Poder.




O Grande Poder


Mestre Verdelinho das Alagoas


Porque no céu a gente ver uma estrelinha


Aquela estrela começa a mudar


Aquela estrela começa a passear


Tem uma mais acesa, outra mais apagadinha


Tem uma maior, tem outra mais miudinha


E às seis horas da manhã ela começa a se esconder


Só às seis horas da noite, é que torna aparecer


Só é quando ela brilha em cima no firmamento é porquê






Deus corrige o mundo pelo seu dominamento


Como a Terra gira com o seu grande poder






O nosso Deus corrige o mundo pelo seu dominamento


Sei que a Terra gira com o seu grande poder






Grande Poder, com o seu grande poder


Grande Poder, com o seu grande poder






A terra deu, a terra dá, a terra cria


A terra cria, a terra deu, a terra dá


A terra voga, a terra fica, a terra há


A terra acaba com todo o mal, alegria


A terra acaba com inseto que a terra cria


Nascendo da terra, nessa terra há de viver


Morrendo na terra, para essa terra é de comer


Tudo que vive nesse mundo pra essa terra é alimento






Deus corrige o mundo pelo seu dominamento


Sei que a Terra gira com o seu grande poder






Grande Poder, com o seu grande poder






Porque no céu a gente ver uma estrelinha


Aquela estrela começa a mudar


Aquela estrela começa a passear


Tem uma mais acesa, outra mais apagadinha


Tem uma maior, tem outra mais miudinha


E às seis horas da manhã ela começa a se esconder


Só às seis horas da noite, é que torna aparecer


Só é quando ela brilha em cima no firmamento é porquê






Deus corrige o mundo pelo seu dominamento


Como a Terra gira com o seu grande poder






Grande Poder, com o seu grande poder






O homem planta um rebolinho de maniva


Aquela maniva com dez dias está inchada


Começa a nascer aquela folha orvalhada


Ali vai se criando aquela obra positiva


Muito esverdeada, muito linda e muito viva


Embaixo cria uma batata que engorda e faz crescer


Aquilo dá farinha pra todo mundo comer


Para toda criatura vai servir de alimento






Deus corrige o mundo pelo seu dominamento


Sei que a Terra gira com o seu grande poder






Grande Poder, com o seu grande poder






Ô meu amigo, em você eu me confio


Em mim confio que meus olhos correm n'água


Eu admiro uma piaba dentro d'água


Ela faz a morada


Não sente calor nem frio


Se o sol esquenta, ela procura o sombrio


Na toca de uma barqueira para modo se esconder


Arruma lôdo, começa a comer, quer dizer


Daquele ldo veio servir de alimento






Deus corrige o mundo pelo seu dominamento


Sei que a Terra gira com o seu grande poder






Grande Poder, com o seu grande poder


Deus corrige o mundo pelo seu dominamento


Sei que a Terra gira com o seu grande poder


Um comentário:

  1. Parabéns Keyler, pelo seu artigo. Eu o li pelo Alagoas Diário - muito bem escolhido para contar a história deste artista. Vc, com certeza, fez a sua parte. Verdelinho muito contribuiu e consolidou sua atuação como exemplo de sobrevivência e fonômeno cultural.

    Lucciana Fonseca

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